Friday, January 16, 2009

Story Tellers #7

Modesta e mal acompanhada, Maria andava sempre de chapéu. Tinha um cabelinho curto, cara pálida, olheiras vincadas, lábios finos e olhos como amêndoas. Adorava artes e tudo relacionado com elas, mas nunca lhe tinha interessado nada em particular, gostava da sua generalidade, da sua originalidade, da espontaneidade que esse tipo de coisas lhe transmitia. Ela era pouco espontânea e tinha uma visão da vida muito peculiar, que não partilhava com ninguém a não ser as vozes na sua cabeça. Vozes a que, por vezes, chamava de consciência, outros de estupidez aguda, outras nem pensava nelas (coitadas). Costumava lanchar flocos de maçã e deitar-se na sua cama ao final de tarde, a pensar. Só pensava, pensava, pensava. No quê, não sabemos, mas também não é importante. Mas era importante para Maria, que pensava, pensava, pensava. Pensou para si, apetece-me ir dar um passeio no parque, mas não aguento a solidão de andar sozinha, apetece-me ir até Belém, mas não aguento o caminho longo, apetece-me ir a pé até ao Saldanha, mas está demasiado frio. Ou seja, faltava-lhe vontade, motivação, ponto de partida, uma mão imaginária a dar um puxão, um braço envolta a dizer que tudo iria correr bem e pessoas na vida que lhe dessem coragem. Falta-lhe muitas coisas. Não tem namorado, poucos amigos, também não costuma sair muito à noite, nem mesmo de dia. As raras ocasiões em que usa chapéu, aquelas em que sai de casa, são as mais felizes dos seus dias. Os fins-de-semana são os piores porque, normalmente, fica sempre agarrada aos lençóis a pensar o que quer mudar no quarto. Muda a disposição do quarto tantas vezes por sentir que falta alguma coisa na sua vida. Ao contrário do cabelo, que desde os 5 anos está sempre no mesmo comprimento, cor e aspecto. As tábuas do tecto chiam dos vizinhos de cima. A vontade que tem é de atirar tudo do seu 5º andar e apanhar boleia até Salamanca, começar uma nova vida, livre das pessoas da triste cidade de Lisboa, livre do ar, livre do que quer que seja que a prende em casa e não lhe permite ter a alegria de viver de que ela se lembra, uma vez, de ter tido. Afinal de contas, o que nos deixa presos à nossa casa deveria ser o bem estar, a comodidade, pensava ela, e não o conformismo, o assentar. A casa também não era muito grande, mas ela vivia sozinha, portanto tinha todo o espaço disponível. O espaço estava cheio de cabides de onde penduravam os chapéus que representavam uma vida triste, depressiva e cheia de poucas emoções. Pensou Maria que, quando morresse, ninguém daria por ela, sozinha no seu canto, com todos aqueles chapéus. Mas o mais estranho era a sua inata vontade de viver e querer ser feliz. Existia sempre alguma coisa que a impedia de assim ser. O que ela ainda estava para descobrir era, o quê.

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