Thursday, February 5, 2009

Story Tellers #9

Acho que, desde sempre, ele foi uma pessoa medrosa. Arriscou pouco na vida. Tinha medos e receios de não conseguir, de desiludir, de falhar, de não alcançar, de chorar. Então não tomava iniciativa. Não fazia absolutamente nada. O que é estranho porque, mais cedo ou mais tarde, somos todos deparados com a grande decisão de arriscar (ou não). Mas nos seus 29 anos de vida, estagnada, monótona, reprimida, estrangulada, nunca teve coragem para dizer 'eu faço' ou 'eu alinho' ou até 'eu vou'. Nada. Nunca tinha estado envolvido seriamente com alguma rapariga, por serem sempre elas a darem o primeiro passo, não tinha tirado o curso que queria, por ir nas ondas dos pais, portanto era hoje médico num hospital público. Não gostava do seu trabalho e não o fazia de sorriso nos lábios. Deixava os dias passarem e passarem, correrem ao seu lado como uma brisa fria de inverno. Era um conformista, um extremo conformista. Não tinha partido político, abstinha-se em todas as eleições. Tinha uma casa decorada pela sua mãe, ao gosto e amor dela. Não desgostava, mas não era aquela a sua casa, não sentia pertença, nada. Não tinha hobbies, passeava pouco e a sua vida social, se é que se lhe pode chamar assim, reduzia-se ao percurso entre o trabalho e casa e vice-versa. A sua revolta não era muito grande, tinha medo de se revoltar, poderia magoar-se por magoar alguém. Por estranho que pareça, uma semana depois de se aperceber da sua miserável vida, os pais foram encontra-lo enforcado na sala tão amorosa e bem decorada da 'sua' casa. O cheiro era insuportável e o ar mórbido e escuro da sala assustava de medo a mãe. Ao seu lado, estavam uma data de envelopes selados e um papel meio amachucado escrito a tinta permanente:

Mãe e Pai,
Quero que saibam que tomo esta decisão em plena consciência de que me vou magoar e muito mais a vocês. Não suporto sofrimento e não suporto ver o mal do mundo reflectir-se em vocês, ou até em mim. Não quero parecer egoísta, mas esta foi a maior e melhor decisão que tomei na minha vida. Um passo em frente, por mim, por vocês, pelos meus pacientes, pelo meu hospital, até pelas poucas raparigas com quem estive. Vou virgem, solteiro, sem descendentes, mas vou feliz, sabendo que nunca mais poderei magoar ninguém ou a mim próprio. O sofrimento acaba e.. Não é isso que todos queremos?

Veio-se saber que, este médico de 29 anos era filho único e nunca tinha gasto um cêntimo que ganhava, sem ser em despesas básicas de comida e casa. O hospital dava-lhe um passe para os transportes (visto ele se recusar a andar de carro, podendo de qualquer forma irritar outros condutores ou a ele próprio). Todos os seus colegas o respeitavam e consideravam o médico mais sábio e humilde. Pela pouca conversa que dava, perceberam todos o quanto sentiam a sua falta e o quanto o invejavam por ter tomado uma atitude tão pouco ortodoxa mas que finalmente demonstrou o poder que devemos ter sobre nós e sobre as nossas decisões, pensamentos e atitudes. Apesar de sermos todos influenciados por alguém, ele sabia que no fundo, a decisão final era dele.

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